24 de maio de 2007

Busco por entre estátuas e vitrais

[saudade, nostalgia, carência, pensamento...
finalmente...]


Busco, por entre estátuas e vitrais,
A parcimónia inconstante
Leve, levitando livre e errante!
Consoante as entradas, as saídas...
Perante rostos de vidas perdidas,
Perco e ganho murais...

As noites em branco foram puras,
Incautas como a nossa glória...
Enxutas de uma beleza notória...
Quero saber porque foste eleita:
Cruel, linda e perfeita...
E, assim, tu perduras...

Meu coração jaz no meu peito...
Infeliz por não ver repetidos
Longos abraços sentidos
Por dois seres incompletos,
Um deles carece de afectos
E o outro perece no leito...

20 de maio de 2007

O homem que mergulhava nos seus sonhos (parte IV)

O homem que mergulhava nos seus sonhos percebeu finalmente a organização do cosmos e a sua constituição; percebeu porque se cruzava com determinados seres e porque lhes sorriam eles, mostrando uma convicção que anulava o tom amarelado que pauta a fachada sentimental; percebeu porque eram sempre os mesmos os seus caminhos e porque, inconscientemente, ele fazia questão de os repetir, todos os dias da sua vida.

Enfim, já nada fazia sentido: a felicidade não o tinha sido; a alegria não o tinha sido; o riso não o tinha sido... Tudo não passava de um conjunto de experiências aparentemente ricas mas nas quais reinava a pobreza de um longo rol de mentiras, enganos e torturas.

Dum momento para o outro, passara duma existência pobre para uma pobre existência e começou em pleno mergulho a desacreditar a sua luta e a parar de vangloriar o Sonho. Já nada comandava a sua vida a não ser um grupo de sentidos adormecidos e correntes externas que arrefeciam lentamente o bater do seu coração...

O homem que mergulhava nos seus sonhos morreu... Paz à sua alma! Porque do ser que agora jaz nas profundezas dos seus sonhos fugidos, renascerá a sombra que pairará para sempre no horizonte daqueles que com ele se cruzaram: leigos, sinceros, perfeitos...

17 de maio de 2007

O homem que mergulhava nos seus sonhos (parte III)

O homem que mergulhava nos seus sonhos fê-lo nessa noite pela derradeira vez.

Os sentimentos que ardilosamente tinha recolhido eram porventura avassaladores para a sua limitada mente. O peso dos erros que polvilhavam a sua existência insípida faziam-no vergar a um nível mesquinho e puramente introspectivo que o levava unicamente para o fundo...

"O fundo do mar", diriam os seus velhos do Restelo, habituados aos seus jogos simplistas e derrotistas; "O fundo do poço", diria o id do homem que mergulhava nos seus sonhos, habituado a ver em tudo nada mais do que o fim de tantas épocas tristonhas (ou o inicio de tantas frases inspiradoras...); "O fundo das questões", diria o mais atento de todos estes indivíduos ou instâncias...

A atenção não é mais do que uma qualidade fútil e perigosa que se apodera dos nossos sentidos, tendo não só o poder de os manter extraordinariamente funcionais mas também a arte de os interpretar erradamente, catapultando-os para a esfera do desapropriado e do injusto...

E, porventura, tais interpretações, terão trazido ao nosso amigo a inercia que o reduziria a um grão de areia mas também a indignação que poderia potenciar o seu salvamento...

14 de maio de 2007

O homem que mergulhava nos seus sonhos (parte II)

O homem que mergulhava nos seus sonhos tinha pequenos conhecimentos de astronomia: sabia unicamente que existia uma lua e um sol no seu horizonte e que estes dois astros se revezavam na iluminação periódica dos seres que todos os dias ele encontrava nos mesmos espaços. Desconhecia por completo o modo como o cosmos se organizava e estava intrinsecamente envolvido no desenho dos seus caminhos repetidos e gastos; desconhecia inclusivamente que fora esse mesmo cosmos que o fez acordar de muitos pesadelos que resultaram em pouco mais que alguns tremores e rotações periféricas.

O homem que mergulhava nos seus sonhos não sabia nadar e fazia desse o seu objectivo. Apesar de possuir em si a impagável capacidade de voar, este ser incauto sentia que a água era um elemento muito mais suave que os ares poluídos e inabitados pelos quais ele costumava planar... E, por isso, todas as noites ele tentava uma incursão aquática nos seus sonhos mas nunca aguentou mais do que alguns segundos...

Certo dia (ou deveremos dizer, certa noite), ele decidiu munir-se de novos caminhos: novas ruas, novos passeios, novas casas, novas cidades, novos seres... Decidiu descobrir como funciona afinal o cosmos e porque continuam a caminhar aqueles que se cruzavam consigo na sua rotina perdida. Decidiu escolher histórias novas e estórias velhas, palavras gastas e palavras límpidas como as aguas que o esperavam para uma nova tentativa de mergulho.

Esse dia pareceu nunca mais ter fim...

11 de maio de 2007

O homem que mergulhava nos seus sonhos (parte I)

Era uma vez um homem que mergulhava nos seus sonhos.

Pairava de tal forma arrogante pelas surpresas que a vida lhe destinava que, sem reparar em tais acasos, mantinha o seu passo lento e irritante, a sua cabeça baixa e e eminentemente alegre. Os passeios e as ruas repetiam-se em grupos dispersos pelo tempo. As vozes que ouvia eram apenas conjuntos de silabas simpáticas que iam e vinham sem pedirem autorização aos respectivos interlocutores. Os diálogos eram longos e proveitosos, mais do que a soma dessas simples silabas que mais não eram que miseras gotas de agua que, a pouco e pouco, inundavam o mar dos seus sonhos...

O ocaso era o ponto de viragem deste ser simplório e irremediavelmente insatisfeito com a sua existência: o que para muitos era frio, para ele era calor; o que para muitos era medo, para ele era segurança; o que para muitos outros era prisão, para ele eram asas...

O homem que mergulhava nos seus sonhos tinha em si, mesmo que inconscientemente, o poder de torna-los um quotidiano improvisado... Algo que ele não conseguia controlar e que se assemelhava a um voo livre naquelas mesmas silabas que o prendiam a movimentos calculados e que não correspondiam a verdadeira amplitude dos seus sentimentos...